terça-feira, 15 de dezembro de 2015

A deusa Hera e a fatídica pergunta de fim de ano: e os namoradinhos?

Estudando o arquétipo da deusa Hera na psicologia das mulheres, me deparei com o seguinte pensamento: É cobrança da sociedade andarmos apenas aos pares ou as pessoas só podem realmente ser completas quando encontram a sua “cara-metade”?
Sabemos que nas gerações passadas, em uma cultura predominantemente patriarcal, o que era esperado de uma mulher era a de que ela se casasse e tivesse filhos o mais cedo quanto fosse possível. Essa era a sua principal ocupação. Casamento, ser uma boa esposa e cuidar de seu marido. Parir, ter filhos saudáveis, capazes de trabalhar e terem filhos no futuro. E o mais interessante, mesmo dentro de um casamento que não a satisfazia, ela não via outro caminho. Talvez a dor da crítica social fosse mais dolorida do que permanecer num lugar onde já não mais cabia. Não ser esposa aos até 30 anos, era sinônimo de que a mulher não havia cumprido seu papel, e por isso era vazia, perdia seu valor. A mulher Hera recebia então o maior apoio, pois o desejo interno de ser esposa encontrava lugar externo e era exatamente o que esperavam que ela fizesse. Esse é o chamado de Hera, de ser companheira, fiel e leal até o fim com seu marido e isso a faz forte e completa. O feminino visitado por essa deusa encontrava seu lugar.
Nos anos atuais, mudamos um pouco em relação aos lugares que as mulheres ocupam e querem ocupar. A sociedade ainda é patriarcal, mas não podemos negar que perdeu um pouco de sua força. Temos direito a várias coisas e podemos escolher o lugar que queremos ocupar, seja de esposa, de mãe, de profissional. O caminho que antes era traçado para nós e imposto passa a ser uma escolha mais branda e mais personalizada.
É permitido escolher vários caminhos. Casar ou não. Ter filhos ou não. Casar-se aos 25 ou aos 45. Viver sozinha, ou acompanhada. Escolher seu parceiro ou parceira pelo amor e não pela posição de sua família. Claro que para alguns certas escolhas são vistas com olhos julgadores, mas as mulheres estão mais fortes e mais seguras para lidar com tais atitudes. Porém podem sentir-se pressionadas pelas expectativas culturais de se estabeleceram e se casarem.
Inevitavelmente são alvos de perguntas do tipo:
            “Que bom, você tem um ótimo emprego, mas quando vai se casar?”
            “Foi promovida? Que notícia boa, e o marido quando vai vir?”
            “Seu casamento foi lindo, vai encomendar bebês?”
            “Esse peru de natal está delicioso, mas e os namoradinhos?”

            Conseguimos respeitar uma mulher que vive bem só ou ela só é vista quando tem um homem ao seu lado? Defendo a idéia de que a escolha de ter alguém a acompanhando seja dela, que seja uma escolha própria e mais consciente possível.
            Hera vem para nos mostrar que é possível ser feliz no casamento, e que casar pode ser o desejo mais genuíno e verdadeiro da pessoa. Mas e se não for? Se ela decidir esperar mais um pouco, ou simplesmente seguir a jornada da vida desacompanhada de namorados/maridos/afins? Ela estará incompleta ou pelo contrario, será sua forma mais completa possível, enchendo-se aquilo que é essência?
            O sentimento de completude só vem acompanhado de decisões verdadeiramente internas.
             “Sua visão se tornará clara somente quando você olhar para dentro do seu coração.” (C. G. Jung)



Referência: Bolen, J. S. As Deusas e a Mulher: nova psicologia das mulheres. São Paulo: Paulus, 1990. 

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Tornando sua casa um lar: Encontro com o mito da deusa Héstia.

Héstia (conhecida como Vesta na mitologia Romana), é filha primogênita de Réia e Crono. Segundo a mitologia grega, Crono engoliu seus filhos por medo de ser superado por eles, Héstia foi a primeira a entrar nas entranhas do pai e a ultima a sair, permaneceu na escuridão e nas opressivas vísceras de Crono, sendo a única a ficar lá sozinha.
É difícil dizer que Héstia teve uma infância feliz. Com o pai tirano e a mãe ineficaz e sem poder, ela foi forte para lutar e vencer com os meios que podia. Mulheres tipo Héstia passam por situações parecidas, sendo criadas em lares conflituosos. É provável, contudo, que filhas do tipo Héstia, se retraiam emocionalmente e se retirem para seu próprio intimo, confortando a si mesma em meio a uma vida familiar penosa. Pode agir de modo diferente de toda a família, ela tenta não ser notada e tem uma passividade exterior e um sentimento interior que com certeza é diferente daqueles que a cercam. É discreta em todas as situações e cultiva a solidão mesmo quando em grupo.
Essa é a deusa da lareira, do fogo que queima na lareira. É representada pela chama viva dentro do lar, do templo e da cidade. Sua personalidade é de natureza subjetiva e interior (bem diferente de suas irmãs, Ártemis e Atena, que colocam a energia para fora, realizando coisas). Seu trabalho e ocupação são, quase sempre dentro de casa, cuidando do lar; não por que a obrigaram para que fosse assim, mas por que ela prefere e se sente mais completa desta maneira.
As mulheres que estão sendo influenciadas pelo arquétipo da deusa adquirem um sentimento de harmonia interior conforme executam as tarefas domésticas, realizando-as de modo calmo e pacífico, com pouca preocupação com o tempo. Ela faz as tarefas do lar, pois estas realmente lhe importam e porque lhe agrada fazê-las. Sente-se bem interiormente quando as finaliza.
Ela vive porém, no anonimato. Aceita ser modesta, seu trabalho por ser no lar, não é valorizado por todos e frequentemente seus sentimentos não são levados em consideração. Muitos casamentos bem sucedidos se dão com homens tipo Hermes, aquele homem de negócios-viajante-transmissor-empresário, agilmente negociando no mercado, enquanto sua esposa mantém aceso o fogo do lar. E muitas vezes esse arranjo funciona para ambos. Ela gosta da autonomia para decidir o que será feito no lar e o amparo econômico que ele lhe dá permite tempo e espaço para fazer o que lhe importa. Porém, se esse amparo não existe, Héstia ficará em desvantagem, não tem ambição e nem é movida por causas políticas. Ela não está pelo mundo afora deixando pegadas, e nem se preocupa com isso. Deste modo, ela não é notada ou é desvalorizada pelos que não conseguem medir os atributos “socialmente aceitos” externos, e nesta vão achar que ela não os possui.
Claro que, para vivermos de modo mais inteiriço, todas as deusas nos deveriam visitar. As características mais valorizadas e esperadas para se viver hoje, não são características da deusa em questão: empreendedorismo, espírito de equipe, agilidade nos negócios, habilidade de relacionamento, etc. Mas me parece que ela tem seu lado interno bastante equilibrado, sendo uma em si mesma, sentindo-se realizada pelo trabalho que desempenha, tendo espírito autônomo e reflexivo.
Penso que todas as mulheres deveriam ser visitadas por Héstia mais vezes; essa deusa é um “ponto tranquilo” em meio a agitação que passamos no dia a dia. Héstia fornece o ponto de referência que permite a mulher permanecer firme diante da confusão, desordem ou afobação, com ela a vida adquire um significado. Héstia não liga para posses, prestígio ou poder, sente-se completa como é e dá importância interna as atividades do lar que gosta de realizar. Imagine se pudermos nos “desintoxicar” das lutas por ser o primeiro ou o mais bem sucedido e pudéssemos simplesmente nos ligar aquilo que tem um significado individual em nós, sem gastar energia e preocupação com o que os outros vão pensar ou achar?
Para fazer isso, precisamos convidar Héstia a tomar parte das tarefas diárias da casa, ou seja, depois de decidir qual tarefa fazer, dedicar tempo para ela. Por exemplo, dedicar-se as tarefas domésticas é tarefa exaustiva demais para algumas de nós, porém se adotar o modo de fazer da deusa, a mulher pode dar boas-vindas à oportunidade de dobrar roupas, lavar louça, decorar enquanto esvazia e aquieta sua mente.

Obter um espaço meditativo dentro de seu próprio lar é um presente que Héstia nos proporciona. Apropriar-se de sua casa. De seu lar. De seu meio. De sua vida. 



Referência: Bolen, J. S. As Deusas e a Mulher: nova psicologia das mulheres. São Paulo: Paulus, 1990. 

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Qual deusa te visita? Um pouco sobre a sabedoria da deusa Atenas.

Atenas é a deusa grega da sabedoria e das artes. Conhecida pelos romanos como Minerva é uma das deusas virgens, assim como Ártemis (ler artigo anterior).
            Filha de Zeus e Métis, seu nascimento aconteceu de forma curiosa. Quando Métis estava grávida, Zeus, com medo de que sua filha se tornasse mais poderosa que ele, propõe uma brincadeira para a esposa, cada um se transformaria em um animal diferente. Ela se transforma, então, em uma mosca e Zeus a engole; Métis vai parar na cabeça de seu marido. Com o passar do tempo, a cabeça começa a crescer e ele passa a sentir fortes dores, parecida com dores de parto. Pediu então para que Hefesto lhe desse uma machadada, e de lá saiu Atenas, já com armadura e escudo.
            Atenas considerava-se portadora de um só genitor, seu pai. Era seu braço direito e fiel escudeira. Foi a única deusa olímpica a quem Zeus confiou seu raio e escudo, símbolos de seu poder.
            Uma mulher visitada por Atenas é conhecida por suas estratégias vitoriosas e soluções práticas, normalmente são mulheres de mente lógica, e colocam a razão acima da emoção. Como deusa virgem, pretende fazer coisas por si própria, sem esperar que um príncipe encantado venha para lhe salvar. Aprecia seu trabalho e o realiza com o máximo afinco, aceita a realidade tal como ela é e se adapta.
            Mulheres deste tipo tem uma facilidade muito grande em administrar a casa. Sentem-se desafiadas a viver dentro do orçamento e a organizar o cronograma de mercado-lavanderia-filhos. Tal organização lhe é natural e as provocam intelectualmente. Enquanto arquétipo de “filha do pai”, Atenas tende a ser uma mulher que tem ao seu lado homens poderosos, responsáveis e que exercitam a autoridade, sejam eles seus maridos ou chefes. Uma vez que eles lhe dão um voto de fidelidade, “mulheres-Atenas” se tornarão suas defensoras e protetoras.
Uma característica já citada e muito marcante de Atenas é sua racionalidade. Deixa muito de lado seu lado emocional, ficando muitas vezes encouraçada por esse modo de ser. Defende-se do sofrimento e das emoções pela racionalidade. Por exemplo, no meio de uma agitação emocional, ela permanece impenetrável ao sentimento enquanto observa e analisa o que está acontecendo, reflete e decide o que fará. É por esse motivo também que é conhecida como deusa da guerra, sua estratégia é certeira. Ela nunca perde a cabeça, o coração ou o autocontrole, vive o meio-termo e não é esmagada pelos sentimentos irracionais.
Essa mulher se acostumou com a unilateralidade, as emoções são esquecidas e deixadas para lá. Se por um lado, isso a ajuda a ter desempenho excelente no trabalho, áreas acadêmicas e organização da casa, por outro negligencia seu lado erótico, de intimidade, paixão ou êxtase.

Agindo intelectualmente, a mulher tipo Atenas perde a experiência de realizar-se na íntegra quanto a seu corpo. Ela sabe pouco sobre sensualidade. Atenas mantém a mulher “acima” do seu nível instintivo, e portanto ela não sente a força total de seus instintos maternais, sexuais, ou proativos.(Bolen, 1990).
  
            Isso não quer dizer que ela não se casará ou terá filhos. Isso pode acontecer ou não. Provavelmente se casará com um homem que trabalha muito e que seja respeitado, assim como Zeus. Ela será sua aliada e companheira na estratégia da carreira e dos negócios, trabalhando ao seu lado se isso for necessário. Pode gerar filhos ou herdeiros, como parte da parceria. Porém a comunicação a respeito dos sentimentos pode não existir, ou porque ele menospreza sentimentos assim como a esposa, ou porque aprendeu que ela não entende sobre isso. Em relação aos filhos, Atenas não vê a hora de eles crescerem e chegarem a idade de conversar para poderem traçar projetos juntos. Adora quando cria filhos competitivos, extrovertidos e intelectualmente curiosos, pensa que estarão sendo heróis em formação. Espera que estes filhos façam  que se espera deles, superando acontecimentos emotivos e se tornem “bons soldados”, assim como ela.
            A mulher desse tipo pode intimidar os outros e afastar a espontaneidade e vitalidade dos que não são como ela. Com sua atitude crítica e insensível, falta-lhe empatia, essencial para relacionamentos interpessoais.
            Para um desenvolvimento pleno deste tipo de personalidade, é necessário que a mulher se volte para seu interior, descobrindo atividades que não sejam ligadas ao trabalho, mas sim que lhe possibilite desligar-se dele. Atenas nunca foi criança, já nasceu adulta, logo, recuperar sua criança interior também é um caminho para tornar-se mais inteira. Como uma criança, deverá abordar a vida aos olhos infantis, em que tudo é novo e ainda por ser descoberto, ou ainda quando alguém lhe contar algo novo, ela deverá ouvir e imaginar o melhor que puder da cena e dos sentimentos ali presentes. Precisa viver os momentos com emoção, rindo, brincando e chorando. Outro resgate que deve ser feito é o da mãe, normalmente mulheres-Atenas depreciam suas mães dando maior ênfase ao pai e suas conquistas, é preciso descobrir as energias da mãe e valorizar quaisquer semelhanças entre as duas, ou então experienciar a maternidade e sentir-se mãe.

            É interessante que a mulher deste tipo aprenda sobre os valores matriarcais e femininos, além do tradicional patriarcado que está acostumada. Mudando sua perspectiva, pode começar a pensar diferente sobre outras mulheres e depois sobre si própria. 


Referência: Bolen, J. S. As Deusas e a Mulher: nova psicologia das mulheres. São Paulo: Paulus, 1990. 

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Qual deusa te visita? Um pouco sobre a caça da deusa Ártemis.

          Filha de Zeus e Leto, irmã gêmea de Apolo, Ártemis, também conhecida como Diana pelos romanos é a deusa da caça e da lua.
Ártemis é uma deusa virgem. Virgem por que é uma-em-si-mesma, não precisa satisfazer e nem ser aprovada pelo outro, ela é o que é. Este é um aspecto da mulher que não pertence ao homem, ela é “impenetrável”, ou seja, não necessita de um homem e nem precisa ser aprovada por ele. Existe em uma vida independente deles e em seu próprio direito. O termo “virgem” significa o não cultivado, o não usado, o intocável e não manejado pelo homem. As deusas virgens, são divindades que nunca se casaram, nunca foram dominadas, seduzidas ou violadas pelo sexo masculino.
Uma mulher identificada com essa deusa tem a sensação de sentir-se completa sem um homem, com isso ela pode se dedicar ao trabalho e a seus interesses sem precisar da aprovação masculina.
Ártemis representa as qualidades idealizadas pelo movimento feminista – empreendimento e competência, independência dos homens e das opiniões masculinas, e preocupações pelos atormentados, pelas mulheres fracas e pelas jovens (Bolen, 1990).

            Um fato interessante sobre esta deusa é que sobre ela há o enfoque da lua, da natureza. Sob o clarão da lua, a paisagem é silenciosa, bonita e muitas vezes misteriosa; o luar se comunica com ela e Ártemis se torna parte daquilo, esta de olhos abertos para a comunicação de si-mesma a partir da comunicação com o cenário selvagem. Quando caminha pela floresta, e penetra fundo nela, está caminhando também interiormente, através da selva que existe em todas nós. E esse pode ser o valor mais profundo de tal experiência.
            As características de uma mulher-Ártemis aparecem desde cedo, quando um bebê é mais ativo do que passivo, quando a pessoa se concentra de modo poderoso sobre uma dada tarefa, quando há um desejo por explorar novos territórios. É firme a respeito de suas causas e princípios, normalmente vinda de uma família que favorecem os filhos homens, não aceitam pequenas tarefas. Como diz a autora citada acima, “a feminista em flor é vista como a pequena irmã que exige igualdade”.
            Não podemos nos esquecer que Ártemis tinha um irmão, Apolo, que era seu complemento masculino. Enquanto ela era lua, ele era sol; ela os animais selvagens, ele rebanho domesticado; ela selva, ele cidade; ela dança de rodas nas montanhas, ele deus da música. Como seu lado masculino, as relações com homens para mulheres tipo Ártemis são baseados nessa díade, sejam eles maridos, amigos ou colegas. Ela se afasta de relacionamentos em que o homem seja o centro das atenções, como tem um traço forte psicologicamente, sente-se ridícula fazendo o papel de “pequena mulher”.
Podem ter uma forte ligação quando cultuam interesses em comum, como caminhadas ao ar livre de mãos dadas, ou quando ambos os parceiros são corredores e praticantes de esportes radicais; ela gosta de partilhar dos momentos juntos e se não puder fazer isso com o parceiro perderá algo de essencial nessa relação. Importante: para que esse relacionamento tenha algo de profundo ou um elemento sexual, é importante que outra deusa esteja visitando essa mulher, Afrodite (falaremos nos próximos artigos).
O tipo mais comum de homem que se sente atraído por mulheres deste tipo, vê nela uma parceira dentro si mesmo, como se ela tivesse um lado não desenvolvido dele, podem ser chamados pelo espírito independente e afirmativo, pela força de vontade existente nela e que nele ainda falta. Porém, é preciso que haja um elemento de “caça” para essa mulher. Se ele quiser tornar-se dependente dela, está tudo acabado, ela pode perder o interesse e até sentir desprezo por ele, se por caso demonstrar “fraqueza” por precisar dela. Pode ocorrer um problema ai, a mulher que se torna tão identificada com o arquétipo desta deusa, pode acreditar ser tão independente que nega sua necessidade e vulnerabilidade diante de outros.
A distância emocional é uma característica dela, ela se vê tão concentrada em seus próprios objetivos, que não nota os sentimentos que estão ao seu redor; como consequência disso, aqueles a sua volta que gostariam de se envolver com ela, sentem-se desprezados e insignificantes e ficam zangados e magoados. Claro que ela deve tomar consciência desse padrão de comportamento, mas se esses outros tiverem paciência e souberem esperar até que ela esteja disponível para eles, terão uma grande companheira. É da personalidade da deusa desaparecer floresta adentro, e aparecer apenas quando julgou ter terminada a sua caçada. Como essa distância emocional é consequência de sua intensa concentração, um desejo sincero de permanecer ao lado dela pode abrandar essa característica.

Se, como dito acima, o conhecimento de Afrodite estiver a favor desta mulher, ela poderá voltar-se para seu interior e experienciar uma forte completude. Por mais satisfatória de tenha sido suas conquistas, faltará o elemento do amor, e sem ele seu desenvolvimento será unilateral. Com o instinto fértil de Afrodite abre-se caminho para a possibilidade da totalidade. 


Referência: Bolen, J. S. As Deusas e a Mulher: nova psicologia das mulheres. São Paulo: Paulus, 1990.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

O feminino e a alma como morada da deusa interior

        
       Cada dia, cada uma de nós enfrenta uma batalha. Passamos por desafios, sofrimentos e por alegrias. Claro, porém, em formas e sabores diferentes. Percebemos que o mesmo fato pode ter uma coloração e uma textura diferente, dependendo da mulher que o experiencia. Julgamos, modificamos, agimos e sentimos de maneiras diversas. Mas o que isso quer dizer?
Às vezes, somos surpreendidas pelo modo que atuamos, ou então nos sentimos desmoralizadas diante de alguma situação, ou não estamos atuando conforme o esperado. Muitas procuram o psicólogo ou o analista para dar conta destas questões, procurando um meio de tornarem-se protagonistas e heroínas de sua própria história. Inicia-se ai uma tomada de consciência intensa. Começam a se dar conta de que são importantes e que poderosas forças atuam em seu íntimo. Entenderemos aqui e daremos um nome a tais forças: Deusas Gregas.
Por exemplo, existem mulheres que valorizam muito o casamento, a monogamia ou os filhos. Outras preferem a independência e a solidão, diferente daquelas que a espiritualidade é o máximo. Para algumas, intensidade emocional e novas experiências são seu combustível e por isso vivem pulando de um relacionamento a outro. O que é realização e desejo para um tipo de mulher pode não ter sentido para outra, dependendo de qual “deusa” esteja visitando-a.
Mas o que é interessante é que não há uma regra determinada para que isso aconteça, para Bolen (1990), em fases diferentes e momentos diferentes, podemos estar sob o poder de deusas distintas. E ainda, quanto mais complicada uma mulher, é mais provável que muitas deusas estejam atuando sobre ela ao mesmo tempo. Ou seja, temos em nós muitas deusas, que dormem e despertam dependendo da jornada que vivemos.
Procurarei aqui, dentro dos próximos meses, traçar de maneira básica um panorama sobre o padrão e a personalidade de algumas das deusas gregas: Afrodite, Ártemis, Perséfone, Atenas, Deméter e Hera.

O conhecimento das deusas proporciona as mulheres um meio de conhecerem a si próprias, seus relacionamentos familiares e amorosos. Aos homens ajudam a conhecer e compreender suas parceiras. Tais padrões ajudam a esclarecer as diferenças individuais em cada uma de nós. Eles indicam o caminho para que, sob efeito e possessão de uma determinada deusa, podemos seguir para continuar crescendo e expandindo-nos.

Quando a mulher sabe quais ‘deusas’ são as forças dominantes no seu íntimo, ela adquire autoconhecimento a respeito: a) da força de certos instintos, b) das prioridades e habilidades e c) das possibilidades de encontrar significado pessoal através de escolhas que nem todas poderiam encorajar. (Bolen, 1990)



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Referência:

Bolen, S. J., As deusas e a mulher. São Paulo: Paulus, 1990.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Poema dos pássaros que nasceram livres

Dos pássaros que nasceram livres,
poucos livres ainda são
os caminhos que a vida nos traça
fazem com que nós vistamos a capa,
aquela capa que muitos usarão.

Mas como tirar o apertado da vida
se a vida já é angustiante assim
assim, de um jeito ou de outro
a capa que antes prendia as asas
dá lugar a uma coragem sem fim

tirando-a do corpo, vamos dando lugar ao corpo
que antes estava escondido por capas e afins
abrindo os braços, as asas
a respiração já enche os pulmões
observando os pássaros, percebi.

Misturando os personagens,
pouco importa o animal que somos
o importante são as capas que nos envolvem
impedindo nossa missão
a missão de sermos aquilo
aquilo que somos, então.

(Ana Terra)






segunda-feira, 15 de junho de 2015

Somos frutos de um tempo em que ter dinheiro é sinal de sucesso. Ter muito dinheiro te faz praticamente um Deus.

Vou convidar você a ler um artigo muito interessante que vi no Estadão. O artigo, de tão bem escrito, consegue nos tocar e nos fazer refletir.
            Nós, jovens, cheios de gana, frutos de um tempo em que dinheiro é sinal de sucesso. Ter muito dinheiro então, te faz praticamente um Deus. Acontece que isso até faz sentido por um tempo, mas essa sensação tem prazo de validade. Esquecemos que a felicidade é fugaz e que quando ela passa, pode permanecer a calmaria ou o vazio, só depende de nós.
            Mas a vida chama, a promoção chega, e somos engolidos pelas responsabilidades e afazeres. Cuidado! Você pode estar fazendo parte da “triste geração que virou escrava da própria carreira”.

Era uma vez uma geração que se achava muito livre.
Tinha pena dos avós, que casaram cedo e nunca viajaram para a Europa.
Tinha pena dos pais, que tiveram que camelar em empreguinhos ingratos e suar muitas camisas para pagar o aluguel, a escola e as viagens em família para pousadas no interior.
Tinha pena de todos os que não falavam inglês fluentemente.
Era uma vez uma geração que crescia quase bilíngue. Depois vinham noções de francês, italiano, espanhol, alemão, mandarim.
Frequentou as melhores escolas.
Entrou nas melhores faculdades.
Passou no processo seletivo dos melhores estágios.
Foram efetivados. Ficaram orgulhosos, com razão.
E veio pós, especialização, mestrado, MBA. Os diplomas foram subindo pelas paredes.
Era uma vez uma geração que aos 20 ganhava o que não precisava. Aos 25 ganhava o que os pais ganharam aos 45. Aos 30 ganhava o que os pais ganharam na vida toda. Aos 35 ganhava o que os pais nunca sonharam ganhar.
Ninguém podia os deter. A experiência crescia diariamente, a carreira era meteórica, a conta bancária estava cada dia mais bonita.
O problema era que o auge estava cada vez mais longe. A meta estava cada vez mais distante. Algo como o burro que persegue a cenoura ou o cão que corre atrás do próprio rabo.
O problema era uma nebulosa na qual já não se podia distinguir o que era meta, o que era sonho, o que era gana, o que era ambição, o que era ganância, o que necessário e o que era vício.
O dinheiro que estava na conta dava para muitas viagens. Dava para visitar aquele amigo querido que estava em Barcelona. Dava para realizar o sonho de conhecer a Tailândia. Dava para voar bem alto.
Mas, sabe como é, né? Prioridades. Acabavam sempre ficando ao invés de sempre ir.
Essa geração tentava se convencer de que podia comprar saúde em caixinhas. Chegava a acreditar que uma hora de corrida podia mesmo compensar todo o dano que fazia diariamente ao próprio corpo.
Aos 20: ibuprofeno. Aos 25: omeprazol. Aos 30: rivotril. Aos 35: stent.
Uma estranha geração que tomava café para ficar acordada e comprimidos para dormir.
Oscilavam entre o sim e o não. Você dá conta? Sim. Cumpre o prazo? Sim. Chega mais cedo? Sim. Sai mais tarde? Sim. Quer se destacar na equipe? Sim.
Mas para a vida, costumava ser não:
Aos 20 eles não conseguiram estudar para as provas da faculdade porque o estágio demandava muito.
Aos 25 eles não foram morar fora porque havia uma perspectiva muito boa de promoção na empresa.
Aos 30 eles não foram no aniversário de um velho amigo porque ficaram até as 2 da manhã no escritório.
Aos 35 eles não viram o filho andar pela primeira vez. Quando chegavam, ele já tinha dormido, quando saíam ele não tinha acordado.
Às vezes, choravam no carro e, descuidadamente começavam a se perguntar se a vida dos pais e dos avós tinha sido mesmo tão ruim como parecia.
Por um instante, chegavam a pensar que talvez uma casinha pequena, um carro popular dividido entre o casal e férias em um hotel fazenda pudessem fazer algum sentido.
Mas não dava mais tempo. Já eram escravos do câmbio automático, do vinho francês, dos resorts, das imagens, das expectativas da empresa, dos olhares curiosos dos “amigos”.
Era uma vez uma geração que se achava muito livre. Afinal tinha conhecimento, tinha poder, tinha os melhores cargos, tinha dinheiro.
Só não tinha controle do próprio tempo.
Só não via que os dias estavam passando.
Só não percebia que a juventude estava escoando entre os dedos e que os bônus do final do ano não comprariam os anos de volta.




Em:
http://vida-estilo.estadao.com.br/blogs/ruth-manus/a-triste-geracao-que-virou-escrava-da-propria-carreira-2/



segunda-feira, 18 de maio de 2015

Caminho pela rua. Há um buraco fundo na calçada. Eu caio dentro dele.

AUTO-BIOGRAFIA EM CINCO PEQUENOS CAPÍTULOS

I
Caminho pela rua.
            Há um buraco fundo na calçada.
            Eu caio dentro dele.
            Estou perdido... Estou indefeso
                        Não é minha culpa.
            É preciso a eternidade para conseguir sair.


II
Caminho pela rua.
Há um buraco fundo na calçada.
            Finjo que não vejo.
            Caio dentro dele de novo.
Não consigo acreditar que estou neste mesmo lugar.          
            Mas não é minha culpa.
Ainda é preciso um longo tempo para conseguir sair.


III
Caminho pela mesma rua.
Há um buraco na calçada.
            Eu vejo que ele está lá.
            Ainda caio dentro dele... É um hábito... mas,   
                        meus olhos estão abertos.           
                        Eu sei onde estou.
É minha culpa.
Saio imediatamente.


IV
Caminho pela mesma rua.
            Há um buraco fundo na calçada.
            Dou a volta ao redor dele.


V
Caminho por outra rua.


....


            Caímos tantas vezes em tantos buracos, não é?
            Qual é o seu?


 ....




Em: HOLLIS, JAMES A Passagem do Meio – da miséria ao significado da meia-idade. São Paulo: Paulus, 1995.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Ode à frustração em tempos de Whatsapp

            Vejo com frequência lembranças banhadas de nostalgia dos tempos que se foram. São imagens e listas de coisas que nos remetem ao passado: “10 itens para você se sentir velho”, “12 coisas que você brincava e que as crianças de hoje em dia nem sabem que existe”, entre outros.
            Estamos com saudades!
No ano 2000, por exemplo, uma das maiores emoções foi ver o cabelo da Carolina Dieckman sendo raspado em cena na novela. Provavelmente, você assistiu junto com toda a sua família pelo canal da TV aberta, na única televisão que existia na casa. E aquilo tomou proporções enormes, pois a vizinha tinha que sair da sua casa e caminhar até a casa ao lado para poder fofocar sobre a tal cena. Na escola, na hora do intervalo, meninos e meninas contavam e recontavam a história do tal cabelo. Algumas garotas até pensavam em fazer igual! (Mas nossa! Mamãe nunca ia deixar...).
            Se fosse hoje, seu whatsapp estaria cheio de piadinhas e vídeos que seus amigos mandaram, sobre o “novo corte de cabelo tendência” que passou na novela das 9, seriam enchentes nos seus grupos:  da faculdade, da família, academia, poker, mais amigas de todas, best friends, colegas do curso de esoterismo, grupo do bar, do trabalho de escola, do escritório (que seria subdividido em dois, equipe grande e equipe pequena, este ultimo sem o chefe - para poder falar mal dele, né?). Isso sem contar o facebook, lotado de compartilhamentos, nos convites “Reunião e estudo de caso sobre o corte de cabelo da Carolina Dieckman – Pensamentos, opiniões e pontos de vista”.
            Você estaria inundado de informação, desinformação, teorias da conspiração e relatos. Saberia de absolutamente tudo o que aconteceu; antes, durante e depois da cena gravada. Estamos vivendo tempos de extremo acúmulo de informações e o pior, estamos achando que temos que dar conta de todas elas!
            Estamos sendo esmagados pela quantidade de exigência e cobrança que estão caindo sobre nós todos os dias. O meu convite aqui é para parar e tentarmos refletir sobre tamanha requisição que estamos fazendo ao nosso eu.

            O poema abaixo nos coloca em contato direto com essa reflexão. Este é de Wilson Mateos.

Ode à Frustração

Trabalhe muito mas tenha qualidade de vida.
Trabalhe muito mas leia jornais e revistas.
Trabalhe muito mas leia livros, veja TV e assista os bons filmes.
Trabalhe muito mas assista aos virais “geniais” que seus amigos compartilham.
Trabalhe muito mas se atualize sobre seus clientes, os concorrentes e o mercado.
Trabalhe muito mas estude inglês e mais uma terceira língua à sua escolha.
Trabalhe muito mas vá a academia.
Trabalhe muito mas se espiritualize.
Trabalhe muito mas tenha um tempo pra você.
Trabalhe muito mas tenha tempo para os amigos.
Trabalhe muito mas seja um pai presente e um marido carinhoso.
Trabalhe muito mas tenha um hobbie e toque um instrumento musical.
Trabalhe muito mas cultive hábitos saudáveis.
Trabalhe muito mas participe da vida cultural da cidade.
Trabalhe muito mas faça network.
Trabalhe muito mas esteja por dentro as últimas tecnologias.
Trabalhe muito mas não viva só para o trabalho.
Trabalhe muito mas socialize.
Trabalhe muito, socialize mas dê atenção ao seu cônjuge.
Trabalhe muito, socialize, dê atenção ao cônjuge mas durma ao menos 8 horas.
Trabalhe muito, socialize, dê atenção ao cônjuge, durma 8 horas e acorde cedo para treinar.
Portanto, Socialize mas não beba muito, porque no dia seguinte você acorda cedo para treinar.
Socialize mas não coma bobagens para não atrapalhar o sono nem o treino.
Socialize mas dê atenção aos seus filhos. Afinal, você já trabalha muito.
Socialize: tenha um tempo só seu.
Socialize: tenha um tempo só seu, mas sem excluir seu cônjuge.
Socialize: tenha um tempo só seu, mas depois compense com seu cônjuge.
Socialize também com os amigos do cônjuge.
Socialize e depois socializes denovo com quem você não socializou dessa vez.
Socialize muito mas não vire bon-vivant. Tem que trabalhar muito. E treinar.
Treine sério mas não seja escravo do corpo.
Treine sério mas não seja radical na dieta. Tem que socializar.
Treine sério mas não abra mão de se divertir. E acorde cedo.
Seja viajado tendo apenas 1 mês de férias ao ano.
Seja magro mas beba e coma pra socializar .
Seja sincero e verdadeiro, mas faça network.
Seja sincero e verdadeiro, mas não magoe ninguém.
Pense em você mas não seja egoísta.
Pense nos outros mas não se esqueça de você.
Faça tudo mas faça só o que te faz feliz.

E mais:

Trabalhe muito, socialize, treine sério, seja magro, seja viajado, seja sincero, pense em você sem deixar de pensar nos outros, e esteja antenado nos acontecimentos dos anos 2000. Você se lembra da Carolina Dieckman?




Texto "Ode à Frustração" disponível em: http://www.hacklife.co/2015/03/20/ode-a-frustracao/

terça-feira, 17 de março de 2015

A tristeza permitida

"Se eu disser pra você que hoje acordei triste, que foi difícil sair da cama, mesmo sabendo que o sol estava se exibindo lá fora e o céu convidava para a farra de viver, mesmo sabendo que havia muitas providências a tomar, acordei triste e tive preguiça de cumprir os rituais que faço sem nem prestar atenção no que estou sentindo, como tomar banho, colocar uma roupa, ir pro computador, sair pra compras e reuniões – se eu disser que foi assim, o que você me diz? Se eu lhe disser que hoje não foi um dia como os outros, que não encontrei energia nem pra sentir culpa pela minha letargia, que hoje levantei devagar e tarde e que não tive vontade de nada, você vai reagir como? 

Você vai dizer 'te anima' e me recomendar um antidepressivo, ou vai dizer que tem gente vivendo coisas muito mais graves do que eu (mesmo desconhecendo a razão da minha tristeza), vai dizer pra eu colocar uma roupa leve, ouvir uma música revigorante e voltar a ser aquela que sempre fui, velha de guerra. 

Você vai fazer isso porque gosta de mim, mas também porque é mais um que não tolera a tristeza: nem a minha, nem a sua, nem a de ninguém. Tristeza é considerada uma anomalia do humor, uma doença contagiosa, que é melhor eliminar desde o primeiro sintoma. Não sorriu hoje? Medicamento. Sentiu uma vontade de chorar à toa? Gravíssimo, telefone já para o seu psiquiatra. 

A verdade é que eu não acordei triste hoje, nem mesmo com uma suave melancolia, está tudo normal. Mas quando fico triste, também está tudo normal. Porque ficar triste é comum, é um sentimento tão legítimo quanto a alegria, é um registro de nossa sensibilidade, que ora gargalha em grupo, ora busca o silêncio e a solidão. Estar triste não é estar deprimido. 

Depressão é coisa muito séria, contínua e complexa. Estar triste é estar atento a si próprio, é estar desapontado com alguém, com vários ou consigo mesmo, é estar um pouco cansado de certas repetições, é descobrir-se frágil num dia qualquer, sem uma razão aparente – as razões têm essa mania de serem discretas. 

'Eu não sei o que meu corpo abriga/ nestas noites quentes de verão/ e não me importa que mil raios partam/ qualquer sentido vago da razão/ eu ando tão down...' Lembra da música? Cazuza ainda dizia, lá no meio dos versos, que pega mal sofrer. Pois é, pega mal. Melhor sair pra balada, melhor forçar um sorriso, melhor dizer que está tudo bem, melhor desamarrar a cara. 'Não quero te ver triste assim', sussurrava Roberto Carlos em meio a outra música. Todos cantam a tristeza, mas poucos a enfrentam de fato. Os esforços não são para compreendê-la, e sim para disfarçá-la, sufocá-la, ela que, humilde, só quer usufruir do seu direito de existir, de assegurar seu espaço nesta sociedade que exalta apenas o oba-oba e a verborragia, e que desconfia de quem está calado demais. Claro que é melhor ser alegre que ser triste (agora é Vinícius), mas melhor mesmo é ninguém privar você de sentir o que for. Em tempo: na maioria das vezes, é a gente mesmo que não se permite estar alguns degraus abaixo da euforia. 

Tem dias que não estamos pra samba, pra rock, pra hip-hop, e nem pra isso devemos buscar pílulas mágicas para camuflar nossa introspecção, nem aceitar convites para festas em que nada temos para brindar. Que nos deixem quietos, que quietude é armazenamento de força e sabedoria, daqui a pouco a gente volta, a gente sempre volta, anunciando o fim de mais uma dor – até que venha a próxima, normais que somos."

Crônica de Martha Medeiros




terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Fazer-se sujeito

Todo Homem em algum momento tem a necessidade de tornar-se um sujeito. A existência é graça que nos é dada a partir do momento do nosso nascimento, nascemos e por isso, existimos. É-nos dado um nome e somos pertencentes a uma família.
Acontece que existir não é suficiente para muitos de nós. A simples existência não nos preenche de forma completa. Queremos ser, nos reconhecer e tomar partido de nós mesmos. E isso é feito de forma natural ao longo da vida, é por isso que a adolescência é vista como uma fase difícil é a partir dela que tomamos contato com essa nova forma de ser, a nossa. Lidamos com questões como: Quem sou eu? Onde quero chegar? Encaixo-me nessa forma de vida de vivi até hoje? Reconheço-me como filho de meus pais? E se não concordar com a forma com que eles encaram a vida?
Percebemos que estávamos amarrados até então a uma forma de vida que não necessariamente é a que escolhemos, nos notamos emaranhados a uma mistura bem grande de desejos e vontades, seus, da família, dos amigos, dos outros. E é ai que a maquina da vida começa a funcionar! Quando caímos na felicidade, ou infelicidade, de perceber que não temos que dar conta dos desejos alheios; digo infelicidade, pois dói assumir nossa própria jornada e devolver a jornada do outro para as mãos responsáveis.

O sujeito tem que dar conta, sem cessar, de ser sujeito, isto é, de assumir seus desejos e deles não abrir mão, pois constituem sua própria subjetividade. (Checchinato, 2007, p.22)

            Mas não há nada mais libertador. Ser sujeito nos dá a possibilidade de assumir por completo o nosso mundo. Checchinato (2007), nos pergunta: Mas não é isso que definimos como cura em psicanálise? A análise faculta ao sujeito a liberdade da não sujeição ao desejo do outro; podendo assim ter acesso ao desejo próprio. Tal liberdade possibilita que não dispersamos energia em sofrimentos inúteis, tirânicos, neuróticos.
            O sujeito “advertido” pode voltar a habitar a sua alma.

            E não existe lugar mais confortável e gostoso do que estar abraçado a ela.


Checchinato, Durval. Psicanálise de pais, criança, sintoma dos pais. 2007.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O colorido está nos momentos em que ninguém filmou

Todos os dias passamos em frente ao espelho, seja escovando os dentes, penteando os cabelos, nos arrumando para ir ao trabalho, à escola, nos preparando para sair de casa e assim nos mostrar para os outros. O primeiro julgamento do dia sobre nós é nosso. Depois de nos olharmos por um certo tempo, aceitamos do jeito que estamos e conformamo-nos. Estamos pronto para aparecer para aquele diferente. E, na maioria das vezes, queremos e fazemos de tudo para que nos achem atraentes, bonitos, bem arrumados, inteligentes, ocupados, bem-sucedidos. Mas essa é a imagem que queremos passar para os outros. Qual é você mesmo? Qual é a mascara que você usa?
Acabamos sempre nos escondendo, passando uma imagem distorcida sobre a realidade que nos cerca. Aquela famosa rede social é o exemplo mais abrangente disso, corpos a mostra no melhor ângulo, viagens ao exterior, fotos com o amor da vida, foto na festa com a bebida que brilha. Lá está o que gostaríamos que os outros acreditassem que somos.
O melhor da vida está e acontece fora, nos desentendimentos, no cabelo bagunçado, no pijama velho que colocamos para dormir, no filme que assistimos só por diversão, na academia que fomos para nos orgulhar de nós mesmos, e não para ficar com o corpo bonito para que os outros valorizem. O colorido e o charme do rebolado se encontram naquele momento que ninguém filmou, naquele encontro que a câmera não estava a mão ou na risada que apenas seu amigo ouviu, e não o mundo todo.
As “curtidas” tem que vir de você mesmo. É só você que está em sua companhia ao tempo todo.
Aquele rosto arrumado que enfeitamos pela manhã guarda quais segredos e quais dores? Quais saudades e quais amores?

            Segredos.