quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Viver é o que acontece entre momentos de alegria e dor

         Se repararmos bem, ao longo dos anos vamos passando, junto aos nossos amigos, por fases parecidas.
Lembro-me da fase das bandas, em que todo mundo gostava da mesma música. Da fase das festas de 15 anos, em que praticamente todo final de semana alguém fazia aniversário. Da sofrida fase do vestibular, em que só se falava qual era a universidade escolhida de cada um. Da fase do primeiro beijo, alegria para os que já tinham tido experiência e algo próximo ao desespero para aqueles que ficavam de fora do acontecido. Da fase de mudar de cidade. Da fase de mortalizar a mãe e o pai.
            Por mais engraçado que seja, as fases da vida tem uma semelhança muito próxima com as do videogame, (talvez seja por isso que os tais jogos façam tanto sucesso). A cada fase que passa vem um desafio ainda mais difícil. Um misto de momentos maravilhosos e de profundo despertar de consciência.
            Nas fases maravilhosas, a vida se assemelha ao bônus de recolher todas as moedinhas possíveis naquele seu joguinho preferido. Puro deleite sem se preocupar com estratégias ou com perigos, apenas a magia de poder encher os bolsos de preciosidades que serão usadas depois. No mundo real, promoção no emprego, namoro novo, compra de uma casa e toda a esperança de que aquilo será eterno.
            Como Ícaro, caimos na outra realidade.
A fase do temido “chefão”. Entramos em desespero e recorremos aos amigos que estão passando pelos mesmos momentos, esperando dicas maravilhosas capaz de fazer-nos pegar um atalho. Diferente do videogame, todas as moedinhas acumuladas anteriormente parece não servir de nada. Deprimimos. Choramos. Lamentamos. Essa fase parece ser eterna. Sofremos. Olhamos no relógio. Nada. Esquecemos que momentos atrás estávamos comemorando. Queremos passar de fase o mais depressa quanto for possível. Acontece que na vida é a elaboração desse sofrimento que nos dá passe para a próxima etapa. Só assim.
O jogo da vida e a vida no jogo são feitas de ciclos. Um passo após o outro, e a caminhada continua.
Um conto muito famoso, de autoria desconhecida, ilustra o que venho querendo dizer:

Era uma vez um rei muito poderoso que tinha tudo na vida, mas sentia-se confuso. Resolveu consultar os sábios do reino e disse-lhes:

- Não sei por que me sinto estranho e preciso ter paz de espírito. Preciso de algo que me faça alegre quando estiver triste.

Os sábios resolveram dar um anel ao rei, desde que o rei seguisse certas condições:

- Debaixo do anel existe uma mensagem, mas o senhor só deverá abrir o anel quando estiver num momento intolerável. Se abrir só por curiosidade, a mensagem perderá o seu significado. Quando TUDO estiver perdido, a confusão for total, acontecer a agonia e nada mais puder ser feito, aí você deve abrir o anel.

O rei seguiu o conselho. Um dia o país entrou em guerra e perdeu. Houve vários momentos em que a situação ficou terrível, mas o rei não abriu o anel porque ainda não era o fim. O reino estava perdido, mas ainda podia recuperá-lo. Fugiu do reino para se salvar. O inimigo o seguiu, mas o rei cavalgou até que perdeu os companheiros e o cavalo.
Seguiu a pé, sozinho, e os inimigos atrás; era possível ouvir o ruído dos cavalos. Os pés sangravam, mas tinha que continuar a correr. O inimigo se aproxima e o rei, quase desmaiado, chega à beira de um precipício. Os inimigos estão cada vez mais perto e não há saída, mas o rei ainda pensa:

- Estou vivo, talvez o inimigo mude de direção. Ainda não é o momento de ler a mensagem.

           Olha o abismo e vê leões lá embaixo, não tem mais jeito. Os inimigos estão muito próximos, e aí o rei abre o anel e lê a mensagem: "Tudo passa". De súbito, o rei relaxa. Isto também passará e, naturalmente, o inimigo mudou de direção.
O rei volta e tempo depois reúne seus exércitos e reconquista seu país. Há uma grande festa, o povo dança nas ruas e o rei está felicíssimo, chora de tanta alegria e, de repente, se lembra do anel, abre-o e lê a mensagem: "Tudo passa". Novamente ele relaxa, e assim obtém a sabedoria e a paz de espírito.


Como aconchego ou incômodo, lembramos que a felicidade é um momento e não um estado, e que viver é o que acontece entre momentos de alegria e dor.