Se repararmos bem, ao longo dos anos vamos passando,
junto aos nossos amigos, por fases parecidas.
Lembro-me da fase das bandas, em que todo
mundo gostava da mesma música. Da fase das festas de 15 anos, em que
praticamente todo final de semana alguém fazia aniversário. Da sofrida fase do
vestibular, em que só se falava qual era a universidade escolhida de cada um. Da
fase do primeiro beijo, alegria para os que já tinham tido experiência e algo próximo
ao desespero para aqueles que ficavam de fora do acontecido. Da fase de mudar
de cidade. Da fase de mortalizar a mãe e o pai.
Por mais
engraçado que seja, as fases da vida tem uma semelhança muito próxima com as do
videogame, (talvez seja por isso que os tais jogos façam tanto sucesso). A cada
fase que passa vem um desafio ainda mais difícil. Um misto de momentos
maravilhosos e de profundo despertar de consciência.
Nas
fases maravilhosas, a vida se assemelha ao bônus de recolher todas as moedinhas
possíveis naquele seu joguinho preferido. Puro deleite sem se preocupar com
estratégias ou com perigos, apenas a magia de poder encher os bolsos de
preciosidades que serão usadas depois. No mundo real, promoção no emprego,
namoro novo, compra de uma casa e toda a esperança de que aquilo será eterno.
Como
Ícaro, caimos na outra realidade.
A fase do temido “chefão”. Entramos em
desespero e recorremos aos amigos que estão passando pelos mesmos momentos,
esperando dicas maravilhosas capaz de fazer-nos pegar um atalho. Diferente do
videogame, todas as moedinhas acumuladas anteriormente parece não servir de
nada. Deprimimos. Choramos. Lamentamos. Essa fase parece ser eterna. Sofremos.
Olhamos no relógio. Nada. Esquecemos que momentos atrás estávamos comemorando.
Queremos passar de fase o mais depressa quanto for possível. Acontece que na
vida é a elaboração desse sofrimento que nos dá passe para a próxima etapa. Só
assim.
O jogo da vida e a vida no jogo são feitas de
ciclos. Um passo após o outro, e a caminhada continua.
Um conto muito famoso, de autoria
desconhecida, ilustra o que venho querendo dizer:
Era
uma vez um rei muito poderoso que tinha tudo na vida, mas sentia-se confuso.
Resolveu consultar os sábios do reino e disse-lhes:
- Não sei por que me sinto estranho e preciso ter paz de
espírito. Preciso de algo que me faça alegre quando estiver triste.
Os sábios resolveram dar um anel ao rei, desde que o rei
seguisse certas condições:
- Debaixo do anel existe uma mensagem, mas o senhor só
deverá abrir o anel quando estiver num momento intolerável. Se abrir só por
curiosidade, a mensagem perderá o seu significado. Quando TUDO estiver perdido,
a confusão for total, acontecer a agonia e nada mais puder ser feito, aí você
deve abrir o anel.
O rei seguiu o conselho. Um dia o país entrou em guerra e
perdeu. Houve vários momentos em que a situação ficou terrível, mas o rei não
abriu o anel porque ainda não era o fim. O reino estava perdido, mas ainda
podia recuperá-lo. Fugiu do reino para se salvar. O inimigo o seguiu, mas o rei
cavalgou até que perdeu os companheiros e o cavalo.
Seguiu a pé, sozinho, e os inimigos atrás; era possível
ouvir o ruído dos cavalos. Os pés sangravam, mas tinha que continuar a correr.
O inimigo se aproxima e o rei, quase desmaiado, chega à beira de um precipício.
Os inimigos estão cada vez mais perto e não há saída, mas o rei ainda pensa:
- Estou vivo, talvez o inimigo mude de direção. Ainda não
é o momento de ler a mensagem.
Olha o abismo e vê leões lá embaixo, não tem mais jeito.
Os inimigos estão muito próximos, e aí o rei abre o anel e lê a mensagem:
"Tudo passa". De súbito, o rei relaxa. Isto também passará e,
naturalmente, o inimigo mudou de direção.
O
rei volta e tempo depois reúne seus exércitos e reconquista seu país. Há uma
grande festa, o povo dança nas ruas e o rei está felicíssimo, chora de tanta
alegria e, de repente, se lembra do anel, abre-o e lê a mensagem: "Tudo
passa". Novamente ele relaxa, e assim obtém a sabedoria e a paz de
espírito.
Como aconchego ou incômodo, lembramos que a felicidade é
um momento e não um estado, e que viver é o que acontece entre momentos de alegria e dor.