Nise da Silveira, como muitos de vocês já
devem saber, foi uma psiquiatra alagoana de vanguarda. Uma das primeiras
mulheres a se formar médica no Brasil, em 1926 era a única mulher de sua turma
dentre 157 homens.
Sua caminhada foi dividida entre momentos
frustrados e sacadas iluminadas. Nise foi presa acusada por uma enfermeira de
um hospital que trabalhava de ter em sua posse livros comunistas. Esta denúncia
a deixou em cárcere por 18 meses; lá conheceu Graciliano Ramos e virou uma das
personagens de seu livro “Memórias do Cárcere”.
Depois que foi solta da prisão, não pôde
voltar ao serviço público por uma ordem judicial devido a movimentos políticos,
e de 1936 a 1944 viveu na semiclandestinidade, lendo e estudando filosofia e
religião.
Em 1944 foi reintegrada e passou a trabalhar
no Centro Psiquiátrico Pedro II no bairro Engenho de Dentro no Rio de Janeiro.
Lá, onde o tratamento dado aos esquizofrênicos era choque elétrico e lobotomia,
Nise fica chocada e se recusa a tratar seus pacientes desta maneira.
Durante
esses anos todos que passei afastada, entrou em voga na psiquiatria uma série
de tratamentos e medicamentos novos que antes não se usavam. Aquele miserável
daquele português, Egas Muniz, que ganhou o prêmio Nobel, tinha inventado a
lobotomia. Outras novidades eram o eletrochoque, o choque de insulina e o de
cariazol. Fui trabalhar numa enfermaria com um médico inteligente, mas que
estava adaptado àquelas inovações. Então me disse:
– A senhora vai aprender as novas técnicas de tratamento. Vamos começar pelo eletrochoque.
Paramos diante da cama de um doente que estava ali para tomar eletrochoque. O psiquiatra apertou o botão e o homem entrou em convulsão. Ele então mandou levar aquele paciente para a enfermaria e pediu que trouxessem outro. Quando o novo paciente ficou pronto para a aplicação do choque, o médico me disse: – Aperte o botão.
E eu respondi: – Não aperto.
Aí começou a rebelde.”
(Nise da Silveira – caminhos de uma psiquiatra rebelde, fotobiografia de Luiz Carlos Mello)
– A senhora vai aprender as novas técnicas de tratamento. Vamos começar pelo eletrochoque.
Paramos diante da cama de um doente que estava ali para tomar eletrochoque. O psiquiatra apertou o botão e o homem entrou em convulsão. Ele então mandou levar aquele paciente para a enfermaria e pediu que trouxessem outro. Quando o novo paciente ficou pronto para a aplicação do choque, o médico me disse: – Aperte o botão.
E eu respondi: – Não aperto.
Aí começou a rebelde.”
(Nise da Silveira – caminhos de uma psiquiatra rebelde, fotobiografia de Luiz Carlos Mello)
Por ir contra a decisão da
administração do hospital e de seus colegas médicos, ela é colocada para
trabalhar no Setor de Terapia Ocupacional, área do hospital que, naquele
momento, era rechaçada. Lá os pacientes faziam serviços de faxina e conserto. É
ali que Nise encontra combustível para tratar dos pacientes (ou clientes, como
ela gostava de chamá-los), da maneira como ela acreditava, pelo afeto e pela
arte.
Nise cria no Setor de Terapêutica
Ocupacional ateliês de pintura e de modelagem, dando aos clientes a oportunidade
de se expressarem por imagens. As obras criadas ali, por aquelas pessoas que
não tinham qualquer conhecimento técnico de pintura, eram espetaculares. Num
primeiro momento muitas imagens circulares parecidas com mandalas começaram a
ser feitas. Por ser uma devoradora de livros e se interessar pelas obras de
Carl Gustav Jung, Nise começou a estudar o significado dessas figuras que os
esquizofrênicos tanto pintavam. Decidiu escrever uma carta para Jung e anexar
algumas fotos dessas pinturas, Nise classifica essa experiência como uma das
mais ousadas de sua vida. O psiquiatra suíço respondeu e ali se iniciou uma
séria de correspondências saborosas.
As obras de seus clientes começam a
chamar a atenção de críticos de arte, que acham tesouro das produções feitas
ali. Em 1952 ela funda o Museu de Imagens do Inconsciente, que além de museu,
funcionava como um centro de estudo e pesquisa, valorizando o trabalho e
buscando sempre novas possibilidades para uma compreensão mais profunda do
mundo interior do esquizofrênico.
Em 1957 Nise é convidada por Jung
para passar um ano estudando com ele em seu instituto na Suíça, além de expor o
acervo do Museu no II Congresso Internacional de Psiquiatria. Lá, pôde trocar
conhecimento e expor de forma valiosa o que vinha desenvolvendo no Brasil.
Ao voltar desse mergulho ao mundo
Suíço da psiquiatria e das conversas com Jung, Nise inaugurou um grupo de
estudos de psicologia analítica em sua própria residência, grupo que ministrou
até a sua morte, em 1999.
Nise foi pioneira no tratamento de
doentes mentais, usando como fonte curativa o afeto e a porta sempre aberta ao
mundo do inconsciente. Provou que seu método de tratamento produziu melhora
significativa na vida dessas pessoas. Pela arte, pela voz que não emitia som, por
poder ouvir o outro lado, o lado interno das pessoas.
Tive a oportunidade de visitar o
Museu de Imagens do Inconsciente e divido com vocês algumas fotografias:
Veja também!
Em comemoração ao dia do Psicólogo (27 de Agosto), participei do podcast do site Cinem(ação).
Nele, além de homenagearmos nossa profissão, fizemos excelentes indicações de filmes ligados a Psicologia!
Confira:
NISE - O CORAÇÃO DA LOUCURA. Direção: Roberto Berliner. TV Zero, Rio de Janeiro, 2016, 108 min.
Mello, C. L., Nise da Silveira: Caminhos de uma psiquiatra rebelde. 2014.