É
de conhecimento de todos a atual situação político-econômica do Brasil. O
momento é de tensão. Amizades desfeitas e grandes discussões na mesa de jantar
sobre se é ou não golpe. As opiniões se dividem e parece que não conseguimos
chegar a um equilíbrio um pouco mais saudável quando se trata deste assunto.
Mais
do que discutir aqui se as ações dos governantes estão sendo eficazes ou não,
se o governo é legítimo ou não ou quem é mesmo o grande vilão dessa história
toda, fico com uma grande dúvida: Será que o Brasil não tem jeito?
Percebemos
que por alguns momentos o povo se dividiu, proferiu palavras de ódio uns aos
outros e vestiu a camisa de um lado. Mas me parecia que todos no fundo
aspiravam pela mesma coisa: uma vida melhor dentro do próprio país.
Diante
de toda esse caos que o Brasil está passando, sincronicamente comecei a ler o
livro “Espelho índio – a formação da alma brasileira” do analista junguiano
Roberto Gambini.
E
então passei a refletir um pouco sobre a origem do povo do Brasil.
Aprendemos
na escola que nosso país foi descoberto
em 1500 quando os europeus chegaram até Porto Seguro acreditando estarem nas
Índias. Mas precisamos antes de tudo nos questionar: se já haviam pessoas aqui,
como é que uma coisa pode ser dita “descoberta”?
O termo correto deveria ser invasão
ou então simplesmente chegada. Mas o
termo “descobrimento” se infiltrou e se estabeleceu na nossa linguagem de uma
forma até poética: Navegadores heroicos chegaram a um território desconhecido e
bravamente povoaram as terras virgens...
Esquecemos-nos
dos índios que estavam ali vivendo. As terras foram apossadas sem se
questionarem se os índios eram os legítimos filhos dela. Para esses europeus, a
raça indígena era mera peça de cenário, desprovidos de qualquer direito, “até
mesmo de continuar sendo o que sempre haviam sido” (Gambini, 2000).
A
idéia de que aqui era o paraíso celeste também ficou muito forte. Pelas belezas
naturais de suas praias, luminosidade, clima. Mas o paraíso não é só paraíso
por conta da beleza, o Brasil era calmo, tranquilo e inclusive a voluptuosidade
das mulheres nuas provocaram nos portugueses as mais deliciosas fantasias. E é
ai que o povo brasileiro tem a sua origem.
Segundo
as palavras de Gambini:
O
desfalque e o ataque à natureza são nossos sinais de batismo, como o é também a
posse da mulher índia pelo branco invasor, de cujo acasalamento resulta, nas
reveladoras palavras de Darcy Ribeiro, a protocélula do povo brasileiro: a
criação de um híbrido que nunca saberá quem é, por que nem pai e nem mãe lhe
servirão de espelhos ou modelos de identidade.
Nossa
origem nos deixa órfãos desde o início. Essa pequena criança é diferente de seu
pai por ter traços índios, e é diferente de sua mãe por ter características
européias. “O começo do povo brasileiro é o começo do sim da alma ancestral da
terra.” (Gambini, 2000).
Sabemos
então que nossa origem, a origem de brasileiro, carrega primeiramente uma
mistura. Ficamos na nossa terra, mas desaprendemos a respeitá-la. Ficamos com a
mãe-índia em seu lar, mas seguimos os ensinamentos do pai-português-invasor.
Uma bagunça total.
Queremos
ser algo que genuinamente não somos. Imitamos, pois foi isso que nos ensinaram,
mas não paramos para ouvir o que nossos sentidos realmente diziam.
Queremos
ser como eles, mas somos daqui. Dessa terra e desta natureza.
Referências:
Gambini, R. Espelho índio – A formação da alma
brasileira. São Paulo: Axis Mundi, 2000.