Amy Winehouse, Britânica, cantora. Morreu aos
27 anos vítima de ingestão de álcool após um período de abstinência. O corpo
dela foi encontrado em meio a garrafas vazias, o laudo de sua morte atesta
“resultado de intoxicação por álcool”.
Amy foi dona de uma voz de dar inveja. Fez um
tremendo sucesso com seu segundo álbum – “Back to Black” (lançado em 27 de
Outubro de 2006), os quais muitos de vocês devem ter ouvido e acredito que
dificilmente passaram ilesos por ele.
Back to Black tocou tanto o coração das
pessoas a ponto de torná-lo em 2011 o álbum mais vendido na história do Reino
Unido (hoje superado pelo álbum 21 da cantora Adele). No ano de 2007, liderou a
lista dos mais vendidos em nível global, com mais de seis milhões de réplicas
vendidas em todo o mundo, e foi o segundo mais vendido em nível digital no
iTunes, enquanto em 2008 foi
o segundo mais vendido do mundo, com outras 5.100 milhões de unidades.
O álbum foi escrito pela dor de Amy. Na
ocasião tinha rompido com seu namorado, Blake Fielder-Civil. Ele tinha voltado
com sua ex-namorada, deixando Amy desconsolada. Todas as suas músicas são
autobiográficas e contam de maneira poética todo seu sofrimento. Segundo as
palavras de seu pai: “As músicas eram incríveis, mas ela comeu o pão que o
diabo amassou para escrevê-las”.
De alguma forma, as pessoas que ouvem sua
música são tocadas pela maneira como Amy escreve, pela autenticidade de sua
culpa, dor e pesar. Todos nós já passamos por dores parecidas, desencontros
amorosos e relação familiar conturbada. Ela cantava a sua vida e é inevitável
que nós nos apaixonemos pela veracidade da escuridão. Escuridão esta, que
muitas vezes não admitimos nem para nós mesmos.
Boa parte de sua genialidade esteve em
conseguir transformar em palavras o que estava se passando dentro dela. Artisticamente
não há outra forma de fazer isso se não através de poesia, música e grafismo. A
linguagem da alma não é racional e ela parece ter percebido isso muito bem.
Segundo alguns de seus próprios relatos, Amy conta que as letras de Back to
Black saíram espontaneamente. Para salvar sua própria alma, Amy foi chamada a
escrever, mas do mesmo modo, o sucesso do disco que a fez cair.
Quando alguém consegue transmitir o que a
alma sente, o momento se torna numinoso. Ouvimos, e ouvimos, e ouvimos suas
canções a fim de fazer nosso coração escutar e dar vazão ao nosso sofrimento
junto com elas. Por ser tão sensível, Amy conseguiu fabricar um dreno para
falar da sua dor sem medo. Os que a escutam fazem uso desse instrumento. Há
identificação com as letras, pois elas falam de cada pessoa que a ouve. Isso
lhe custou parte da vida, pois cada vez que Amy subia no palco e cantava suas
músicas, revivia seu momento escuro.
São os poemas que diluem a dor. Pode ser que
se Amy tivesse escolhido outro caminho para escoar sua alma, ela tivesse
partido a muito mais tempo. Ou ainda estaria aqui. Não sabemos. O que sabemos é
que Winehouse era diluída. No poema, nas lágrimas, no álcool.
A poetisa Viviane Mosé fala através da delicadeza
de um poema sobre a diluição e a coagulação, princípios alquímicos que resumem
o caminhar da vida.
A maioria das
doenças que as pessoas têm são poemas presos.
Abscessos, tumores, nódulos, pedras…
São palavras calcificadas, poemas sem vazão.
Mesmo cravos pretos, espinhas, cabelo encravado, prisão de ventre…
Poderiam um dia ter sido poema, mas não…
Pessoas adoecem da razão, de gostar de palavra presa.
Palavra boa é palavra líquida, escorrendo em estado de lágrima.
Lágrima é dor derretida, dor endurecida é tumor.
Lágrima é raiva derretida, raiva endurecida é tumor.
Lágrima é alegria derretida, alegria endurecida é tumor.
Lágrima é pessoa derretida, pessoa endurecida é tumor.
Tempo endurecido é tumor, tempo derretido é poema.
E você pode arrancar os poemas endurecidos do seu corpo
Com buchas vegetais, óleos medicinais, com a ponta dos dedos, com as unhas.
Você pode arrancar poema com alicate de cutícula, com pente, com uma agulha.
Você pode arrancar poema com pomada de basilicão, com massagem, hidratação.
Mas não use bisturi quase nunca,
Em caso de poemas difíceis use a dança.
A dança é uma forma de amolecer os poemas endurecidos do corpo.
Uma forma de soltá-los das dobras, dos dedos dos pés, das unhas.
São os poemas-corte, os poemas-peito, os poemas-olhos,
Os poemas-sexo, os poemas-cílio…
Abscessos, tumores, nódulos, pedras…
São palavras calcificadas, poemas sem vazão.
Mesmo cravos pretos, espinhas, cabelo encravado, prisão de ventre…
Poderiam um dia ter sido poema, mas não…
Pessoas adoecem da razão, de gostar de palavra presa.
Palavra boa é palavra líquida, escorrendo em estado de lágrima.
Lágrima é dor derretida, dor endurecida é tumor.
Lágrima é raiva derretida, raiva endurecida é tumor.
Lágrima é alegria derretida, alegria endurecida é tumor.
Lágrima é pessoa derretida, pessoa endurecida é tumor.
Tempo endurecido é tumor, tempo derretido é poema.
E você pode arrancar os poemas endurecidos do seu corpo
Com buchas vegetais, óleos medicinais, com a ponta dos dedos, com as unhas.
Você pode arrancar poema com alicate de cutícula, com pente, com uma agulha.
Você pode arrancar poema com pomada de basilicão, com massagem, hidratação.
Mas não use bisturi quase nunca,
Em caso de poemas difíceis use a dança.
A dança é uma forma de amolecer os poemas endurecidos do corpo.
Uma forma de soltá-los das dobras, dos dedos dos pés, das unhas.
São os poemas-corte, os poemas-peito, os poemas-olhos,
Os poemas-sexo, os poemas-cílio…
RIP, Amy Winehouse.
(14/09/1983 – 23/07/2011)
Referências:
Amy,
Direção: Asif Kapadia, Film4 productions, United Kingdom, 2015, 128 min.
Winehouse,
M., Amy, minha filha. Rio de Janeiro: Record, 2012.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Back_to_Black
(Acessado em: 15 de Março de 2016).